No julgamento de Collor no STF, o advogado João Costa Filho, em sua sustentação oral fez uma histórica defesa, que resumo a seguir:
Pressa
“…é preciso registrar a celeridade que tem sido empregada neste processo. Jamais na história do STF, um julgamento de mérito, com idêntica complexidade, ocorreu em tão curto espaço de tempo, 11 dias… Em uma só tarde, este Recurso Especial foi admitido pelo Presidente do TSE; 30 minutos depois foi entregue ao STF. Nesse mesmo fim de tarde, os autos foram autuados, distribuídos, conclusos e despachados pelo eminente relator, que os encaminhou à PGR. Em menos de 24 horas, os autos chegaram à PGR, onde sofreram nova distribuição, tendo sido entregues em mãos ao Procurador-Geral da República. Em 24 horas, o parecer foi concluído. Antes dos autos chegarem da PGR, o recurso extraordinário foi incluído em ata para julgamento.
Coincidência ou perseguição?
… para tristezas daqueles, que como eu, acreditam no Poder Judiciário, o Agravo Regimental interposto contra a decisão do min. Celso de Mello, que suspendeu a participação do ex-presidente Collor no programa eleitoral, até o momento sequer foi despachado, apesar de ter sido interposto paralelamente com este recurso. Em suma, aceleraram o recurso extraordinário e frearam o agravo regimental…
Olga Prestes e Juscelino Kubitschek
Rápido como o julgamento deste recurso extraordinário, só o julgamento do Habeas-Corpus que buscava evitar a expulsão de Olga Benário Prestes, grávida de 7 meses. Esse Supremo Tribunal Federal permitiu que Olga Prestes fosse entregue a Adolf Hitler, que, finalmente, como já era esperado, a matou na câmara de gás. Com Juscelino Kubistschek não foi diferente. Torturado e cassado arbitrariamente pela ditadura militar, por dez anos estigmatizado como corrupto e desonesto (e pelo visto até hoje o artifício continua sendo o mesmo- não trocaram o discurso), verifica-se que as portas desse STF jamais se abriram para JK. Hoje, o povo sabe que a cassação de JK foi um equívoco, arquitetada para atender a ambição de poucos.
Da farsa e da falência do Judiciário
Em entrevista à imprensa na época que era presidente desse STF, asseverou o ministro Sepúlveda Pertence (um dos que julgaram Collor): “É preciso repensar a Justiça do Brasil, ante um modelo que faliu, tanto na base quanto na cúpula (o próprio Supremo). Antonio Carlos Magalhães na época governador da Bahia declarou aos jornalistas: “Quem disser que o impeachment é possível está mentindo para o povo, ele tem 103 anos ( …) é uma farsa que nunca foi regulamentada.” “Com isso pergunta-se a V. Excias”, disse Dr. João Costa Filho: “De uma farsa revestida de parcialidade, cuja decisão é absolutamente sem fundamento, poderá germinar uma restrição a direito fundamental?” Respondeu o advogado: “Evidente que não”.
Lei do IBAMA
Julgamento realizado às pressas e às carreiras é julgamento sem a reflexão necessária, é julgamento com o resultado previamente estabelecido e definido. Derrotado hoje, em meu próximo recurso pedirei que se aplique ao caso a lei de proteção aos animais. Se em pleno final do Século XX, num país onde se fala o tempo todo em direitos humanos, a Constituição Federal do Brasil não conseguir socorrer um brasileiro injustiçado, só me restará, para vergonha do povo brasileiro, perante a comunidade internacional, lançar mão da lei do IBAMA. (lei de proteção aos animais). O resultado unânime, como já se esperava, foi contra o recurso extraordinário. O ex-presidente limitou-se a dizer, ao tomar conhecimento: “FHC conseguiu o que queria. Amordaçou a nação brasileira.” Mesmo assim, o ex-presidente Collor pediu ao advogado que continuasse. Como que, num gesto final, o imbatível advogado, no dia 18 de setembro, por meio de Agravo Regimental, pede ao STF que reveja a decisão do Ministro Octavio Gallotti ao julgar o recurso, já que a decisão não poderia ter sido tomada por uma única pessoa e sim ter ido a julgamento, como fora o recurso extraordinário, que acabei de narrar. A lei é muito clara e estava a favor de Collor, e por isso é que acredito que este agravo regimental, que deveria ser julgado em 24 horas no máximo após o protocolo, somente meses depois e que foi julgado. Para concluir, repito as palavras de dois juízes que reconheceram alguns do erros cometidos.
Acórdão do TRE-AL
1- A decisão do Senado Federal, sendo uma decisão não judicial, desfundamentada e parcial, não tem força bastante para impor a Fernando Collor a suspensão de direito fundamental.
Juiz Humberto Eustáquio Soares Martins (TRE-Al)
2- A parcialidade, no processo de impeachment, é inegável. “As regras de impedimento e suspeição, aplicáveis aos processos que tramitam perante os órgãos do Poder Judiciário, são inaplicáveis ao processo de impeachment, já que o Senado Federal é um órgão político.”
Juiz José Agnaldo de Sousa Araújo (TRE-Al)
3- Diante da parcialidade do órgão julgador, “o ex-presidente Fernando Collor de Mello, por circunstâncias do processo de impeachment foi processado, julgado e punido por seus adversários ou mesmo inimigos ferrenhos”
Juiz José Agnaldo de Sousa Araújo (TRE-Al)
Analise dos fatos ocorridos entre 1992 e 1998
Ao examinar o mandato de segurança número 21.623-DF, o Supremo Tribunal Federal concordou que o julgamento realizado pelo Senado Federal, ao julgar o ex-presidente Fernando Collor, foi realizado de forma parcial, não se aplicando, à espécie, as regras de impedimento e suspeição a que estão sujeitos os julgamentos do Poder Judiciário. Com isso, enquanto o julgamento perante o STF estava revestido de imparcialidade, o julgamento perante o Senado Federal ocorreu de forma parcial. Coincidentemente, no julgamento parcial, realizado pelo Senado, Collor foi condenado, e no julgamento imparcial, realizado pelo STF, Collor foi absolvido. Inegavelmente, de um julgamento parcial, em que o acusado é julgado pelos seus adversários ou inimigos ferrenhos, em processo não judicial, não pode germinar uma restrição a direito fundamental, como o é o direito de ser eleito. Inexistindo independência e imparcialidade do julgador, o julgamento transforma-se em mera repetição de atos, com conteúdo e resultado previamente programados e definidos. Em breve análise pode-se observar na doutrina americana sobre o processo de “impeachment” que ela é unânime ao afirmar que a imparcialidade e independência do julgador estão acima de tudo.
É lamentável saber que, no Brasil, a Suprema Corte insiste em pensar diferente.
Muitas obras de autores americanos, lidos antes de escrever este documento histórico, tratam da importância, no julgamento do “impeachment”, do uso de imparcialidade, integridade, inteligência e independência. Cito a obra A Familiar Exposition of the Constitution of the United States of America, páginas 101, 102 e 112, escrita por Joseph Story, ex-juiz da Suprema Corte Americana.
“The great objects to be attained in the selection of a tribunal for the trial of impeachments are impartiality, integrity, intelligence, and independence. If either of these qualities is wanting, the trial is essentially defective. To insure impartiality, the body must be, in some degree, removed from popular power and passions, from the influence of sectional prejudices, and from the still more dangerous influence of party spirit. To ensure integrity, there must be a lofty sense of duty and a deep responsibility to God, as well as to future ages”
Tradução livre: “Os grandes objetivos a serem alcançados na seleção de um tribunal para o julgamento de impeachments são imparcialidade, integridade, inteligência e independência. Se qualquer uma dessas qualidades está faltando, o julgamento é essencialmente defeituoso. Para assegurar a imparcialidade, o corpo deve ser, em algum grau, removido do poder popular e das paixões, da influência de preconceitos seccionais, e da influência ainda mais perigosa do espírito de partido. Para garantir a integridade, deve haver um sentido elevado do dever e uma responsabilidade profunda para com Deus, bem como para com as eras futuras "
Menciono a obra acima por que ela está de total acordo com os artigos 8 e 23 da Convenção Americana de Direitos Humanos, como também com o artigo X da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. O artigo 8 e o artigo 10 falam das garantias judiciais que asseguram ao cidadão o direito de ser julgado por um juiz ou tribunal independente e imparcial. E o artigo 23 trata de Direitos Políticos, afirmando que somente uma decisão condenatória, proferida por um juiz competente, em processo penal, pode restringir o direito fundamental dos cidadãos de votarem e serem eleitos.
Não me resta alternativa senão a de afirmar que as decisões da Suprema Corte brasileira estão, assim, violando a Convenção Americana de Direitos Humanos, em dois pontos:
1-Permitiu que, de uma decisão não judicial, germinasse restrição a um direito fundamental (ser eleito).
2-Permitiu ainda que, de uma decisão reconhecidamente parcial, e, por isso, defeituosa, germinasse restrição a um direito fundamental (ser eleito).
Um Presidente da República, eleito por 35 milhões de votos, pôde ser julgado por senadores impedidos e suspeitos, mediante chancela do Supremo Tribunal Federal. Essa decisão foi, e continua sendo, lamentável.
Não deixe de ler atentamente os outros capítulos já publicados neste blog sobre o Golpe contra Collor (clique nos links a seguir, de baixo para cima):