terça-feira, 5 de junho de 2012

Fernando Collor resgata a importância da Eco 92 e prega novas formas de produção e consumo

Na contagem regressiva para a realização da Rio +20 - Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que acontece no Rio de Janeiro de 13 a 22 de junho –, o Congresso Nacional debateu perspectivas sobre o evento, nesta segunda-feira (4), em sessão solene em homenagem ao Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado no dia 5 de junho. O senador Fernando Collor (PTB-AL) resgatou a memória da Eco 92, conferência das Nações Unidas também realizada no Rio de Janeiro, em 1992, e que inseriu o viés ambiental na discussão sobre o desenvolvimento sócio-econômico global. Collor presidia o Brasil naquela época e considerou a participação da sociedade no evento como um “divisor de águas” no debate ambiental. “É mandatório encontrar fórmulas de desenvolvimento que não retroalimentem a cadeia econômica nos moldes atuais. É preciso ter coragem de inovar encontrando novas formas de produção e consumo, com a convicção de que há limites para a utilização desordenada dos recursos naturais”, alertou Collor, sustentando não ser possível permitir qualquer retrocesso no nível de compromisso global em torno do meio ambiente construído na Eco 92.
Conferira, a seguir, o pronunciamento na íntegra.
PRONUNCIAMENTO
(Do Senhor FERNANDO COLLOR)
Sessão Especial do Congresso Nacional em Homenagem ao Dia Mundial do Meio Ambiente
Senhor Presidente,
Sras. e Srs. Senadores, Sras. e Srs. Deputados,
Senhores Ministros de Estado,
Demais autoridades e convidados aqui presentes,
         Comemoramos amanhã, como todos sabemos, dia 5 de junho, o Dia do Meio Ambiente, ocasião propícia para nos engajarmos num exercício prospectivo, principalmente por estarmos a poucos dias do início da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.
         Amanhã, com a presença do Senhor Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Antonio Patriota, da Senhora Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira e do Secretário-Geral da Rio+20, Embaixador Sha Zukang, o Governo brasileiro fará a entrega da sede da Conferência, o RioCentro, para a Organização das Nações Unidas, que passará a administrá-la. Esta cerimônia representa a transformação provisória daquela área em território internacional. Simboliza o primeiro ato da realização da Rio+20.
         Contudo, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, Ministros, demais autoridades e convidados, é importante resgatar algo da memória da ECO-92, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada na mesma cidade do Rio de Janeiro há exatos 20 anos. Foi um momento de grandes sonhos, de grande generosidade e de intensa participação da Sociedade Civil sempre em busca de um mundo melhor, e que marcou um divisor de águas na discussão ambiental.
Com a Na ECO-92 alcançamos o consenso em torno de questões essenciais para a sobrevivência do planeta. Assinamos a Convenção da Biodiversidade, a Convenção do Clima, a Agenda 21, os Princípios do Rio, entre outros documentos e acordos. Foram marcos de referência para que todos os signatários tivessem uma pauta do que fazer em suas respectivas instâncias nacionais. O espírito da conferência estava baseado no entrelaçamento da justiça social, da preservação ambiental e da equidade econômica, não só entre os países, mas também nos seus âmbitos domésticos. Foi o resultado da visão convergente, desassombrada, entre movimentos sociais, a ciência e os Estados soberanos. O cenário internacional era, então, significativamente diverso. Os temas ambientais não tinham a urgência que hoje ostentam.
         O mundo mudou dramaticamente desde 1992, e não necessariamente para melhor. O desenvolvimento sustentável, princípio basilar lançado na ECO-92, foi sacrificado em vão no esforço de preservação de um modelo econômico em crise, como hoje dão triste testemunho os países da Zona do Euro e, antes mesmo deles, os Estados Unidos. O atual sistema de desenvolvimento, baseado no uso intensivo de recursos naturais, está falido e enfrenta, como consequência, elevação de custos, queda da produtividade e danos irreversíveis à vida no planeta.
         Sr. Presidente, foi com a clareza desse cenário negativo e com a certeza da urgência de providências, que apresentei, em 2007, requerimento aqui no Senado Federal propondo que o Brasil sediasse uma Conferência em 2012, a Rio+20. Aprovada a proposição em várias comissões e no Plenário da Casa, levei então a sugestão ao então Presidente Lula, que a acatou e determinou ao Ministro das Relações Exteriores que fizesse o oferecimento correspondente às Nações Unidas, o que foi aceito pela Assembleia-Geral em sua última sessão plenária de 2009.
         Sugeri a data de 2012 por dois motivos. Inicialmente para marcar a passagem de vinte anos da ECO-92, mas principalmente para sinalizar para os próximos 20 anos. Este é o simbolismo do nome da Conferência. Rio+20 que significa olharmos para o futuro, para as próximas duas décadas e imaginar o que fazer para evitar o cataclisma global que se anuncia.
         A inspiração para a realização da Conferência em 2012 foi também a iminência do fim da vigência, ainda este ano, do Protocolo de Quioto, talvez a peça mais importante da Convenção sobre Mudanças Climáticas, mas que por inobservância dos maiores poluidores históricos, pouco contribuiu para a mitigação na emissão de gases de efeito estufa. Imaginava que, uma vez aprovado o oferecimento brasileiro, pudéssemos retomar a discussão sobre um acordo internacional que viesse a substituir o Protocolo de Quioto. Na Reunião das Partes – a COP 17 –, recentemente realizada em Durban, foi unicamente graças aos ingentes esforços da delegação brasileira que aquele protocolo não foi precocemente sepultado.
         Apesar de não constar formalmente da estreita agenda da Rio+20, estou seguro que será impossível aos líderes mundiais elidir a discussão a respeito de um acordo internacional sobre mudanças climáticas que tenha força jurídica e metas claras e definidas a serem observadas. Nem todos os países efetivamente se empenharam em observar a Agenda 21. As emergências estão aí, a todo momento, a nos alertar para a gravidade da situação. O silêncio sobre o assunto é irresponsável e será, estou seguro, punido nas urnas por eleitores que são mais perspicazes que seus líderes.
         Tudo isso nos levou ao assim chamado “déficit de implementação”, mais visível em mudanças climáticas, mas igualmente grave no concernente à Convenção de Biodiversidade e especialmente importante para países como o Brasil, que são mega-biodiversos. Assim, o Brasil vai se apresentar na Rio+20 como um país que está na vanguarda da luta pela preservação do planeta, pela combinação dos três pilares do Desenvolvimento Sustentável: o ambiental, o social e o econômico.
         Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, Ministros, autoridades e convidados, chegou a hora de assumirmos de vez que é necessário formular um novo paradigma de desenvolvimento. É urgente transformar não só nossos atuais modelos de produção e de consumo, mas também rever nossos conceitos, nossas formas e índices de medição do desenvolvimento. Afinal, modelos econômicos que vão do socialismo de Estado mais radical ao capitalismo mais selvagem, demonstraram-se absolutamente insuficientes, ineficientes e insustentáveis. São teorias econômicas e sistemas financeiros falidos, que não se coadunam mais com as necessidades da sobrevivência da vida no planeta.
         É mandatório encontrar fórmulas de crescimento, de progresso, de desenvolvimento que não sejam instrumentos de retroalimentação da cadeia econômica nos moldes atuais, a começar pelo próprio sistema de financiamento de recursos e patrocínios oriundos desse mesmo modelo vigente. Precisamos elevar nosso nível de ambições e ter a coragem de inovar, encontrando novas formas de produção e de consumo. Tudo isso, com a convicção de que há limites para a utilização desordenada dos recursos naturais. Para isso, precisamos despertar. Contamos com isso, porque julgo condição sine qua non, despertar a consciência universal.
         O mundo já alcançou a marca de 7 bilhões de seres humanos. Destes, boa parte constitui o mundo em desenvolvimento e excluído historicamente de níveis de consumo razoáveis. Mas esta situação está mudando porque países como o Brasil, a China, a Índia, a Rússia e a África do Sul estão crescendo a taxas superiores aos dos países das economias centrais e, com isso, incorporando contingentes populacionais antes colocados abaixo da linha de pobreza. Não se trata, então, de explosão demográfica, mas de explosão de consumo. Explosão de pressão sobre os nossos recursos naturais. Esta ascensão é socialmente justa e moralmente imperativa. Há, no entanto, que reconhecer que esse cenário, incorporando bilhões de novos consumidores, impõe níveis elevados de exigência sobre recursos finitos, antes mesmo de se atingir o aumento esperado da população global, o que já é de grande preocupação para a sustentabilidade do planeta.
         O novo paradigma que defendo dependerá de uma consciência global, primeiro, da falência dos sistemas econômicos atuais e, em segundo lugar, do ativo engajamento da sociedade civil na formulação de novos rumos. A sociedade civil deverá empenhar-se na defesa de um novo modelo e se convencer de que este novo modelo começa a ser construído a partir de cada um de nós. Das pequenas decisões do dia-a-dia, no consumo da água e da energia, na escolha do meio de transporte, enfim, fugir dos excessos impostos por modelos ostentatórios e do consumo conspícuo. Serão mudanças salutares para toda a humanidade. Trata-se, assim, da participação voluntária da sociedade civil, consciente dos perigos à frente, para sensibilizar seus Governos.
         Haverá, é evidente, um período de transição entre o modelo superado e ineficiente em que hoje vivemos para uma economia – à falta de melhor nome – chamada de “verde”. Essa transição proporcionará avanços importantes na inovação tecnológica, no progresso da ciência e incentivará novos talentos a se desenvolverem, criando espaços no mercado de trabalho para as futuras gerações. A indústria e os cidadãos deverão, portanto, se “reinventar”, isto é, se readaptar a novos padrões de produção, distribuição e consumo.
         Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, autoridades, demais convidados, é certo que há resistência de diversos países em se comprometer com metas, o que pode eventualmente dificultar a adoção de decisões mais corajosas durante o Segmento de Alto Nível. O Governo brasileiro, contudo, está empenhado em evitar que a Conferência seja palco de recriminações recíprocas, muito menos de negociações outras que não vinculadas ao tema maior. Ao contrário, propõe que a Conferência seja palco de reflexão de cada um dos Chefes de Estado e de Governo sobre como avançar em relação aos ganhos obtidos na ECO-92 e assumir o compromisso tácito de que é uma obrigação de cada um de nós explorar vias para a preservação da vida em nosso planeta.
         Quanto à questão da agenda que foi imposta à Conferência – “Economia Verde no Contexto do Desenvolvimento Sustentável e Erradicação da Pobreza” e “Governança Global” –, como já mencionei em diversas ocasiões, são mandamentos estreitos, secos e dificilmente abarcarão os interesses de todos os países presentes. Contudo, devemos cuidar para que o primeiro, a Economia Verde, não se transforme numa nova modalidade de protecionismo comercial, de restrição ao comércio internacional, por meio de imposição de barreiras não-tarifárias e condicionalidades alheias à economia, tais como os chamados “selos verdes” pelas grandes potências. E o segundo, Governança Global, não se transforme em instituição internacional encarregada de classificar produtos, decidindo quais linhas de produção são sustentáveis ou não.
         Essa questão, Sr. Presidente, me traz ao tema do Princípio do Não-Retrocesso, aqui também tão bem defendido por S. Exa., o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Herman Benjamin. Não podemos, de forma alguma, permitir que acordos ou tratados internacionais a serem negociados na Rio+20 ou em foros outros - agora ou no futuro - possam diminuir o nível de compromisso com o meio ambiente até aqui alcançado. Os compromissos alcançados vinte anos atrás foram seminais e modificaram a forma de entendimento de como o homem interfere e se relaciona com o planeta. Não há como tergiversar com eles ou impor limitações ao seu escopo. Não podemos permitir qualquer forma de retrocesso, de imposição de visões canhestras ou permitir que a vista míope de alguns poucos países possa prevalecer.
         O Brasil tem a obrigação de não permitir que dificuldades econômicas do curto prazo contaminem as discussões da Rio+20. Tem o dever de exercer uma liderança natural e benévola, porém firme e decisiva, para garantir que o patrimônio conceitual e jurídico acumulado na ECO-92 não seja vítima de esbulho.
         Senhor Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, demais autoridades e convidados, é preciso reconhecer que estamos nos desenvolvendo de forma insuportável para o planeta. O paradigma de crescimento econômico hoje vigente está esgotado e é, em grande parte, fonte das crises sucessivas que sofremos, sejam elas sociais, ambientais ou econômicas. Não há solução paliativa. Há, portanto, que engendrar novos mecanismos e conceitos capazes de explorar formas de superação do panorama atual.
         Se o planeta é vítima do “déficit de implementação” das obrigações assumidas há vinte anos, não pode, por outro lado, ser punido por um “déficit de liderança” mundiais. O momento exige de seus líderes visão descortinada, coragem política e clareza de propósitos. É imprescindível compreender que esta talvez seja a última grande chance de evitar uma calamidade de proporções inimagináveis. Estamos frente à possível extinção da própria raça humana. E não exagero quando assim falo. Porém, antes de isso acontecer, submeteremos nossos cidadãos a sofrimentos de toda espécie, assistiremos a batalhas por água, multidões serão dizimadas pela fome. E isso, certamente, não é o futuro que queremos. Depende do esforço de todos – indústria, sociedade civil, governos – assegurar um mundo sustentável para as gerações vindouras. É nosso dever, como parlamentares e como cidadãos deste Planeta, trabalharmos para tornar isso possível.
         Era o que tinha dizer, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, autoridades e demais convidados aqui presentes. Muito obrigado.
         Sala das Sessões, em 4 de junho de 2012.
Abaixo, confira o vídeo da TV Senado com o discurso.

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